sábado, 2 de junho de 2012

TRANSDISCIPLINARIDADE


Inês Maria de Almeida
Professora da Universidade de Brasília

Quem teria imaginado, por volta de 1900, que em cinquenta anos saberíamos muito mais e compreenderíamos muito menos? Einstein, 1954

Neste módulo, propusemo-nos a trabalhar com vocês a disciplina Teorias da Educação reconhecendo que, em qualquer área de conhecimento precisamos fazer “recortes” para a compreensão dos fenômenos estudados. Certamente é a demarcação teórica o maior desafio da construção e produção de um novo conhecimento. Assim sendo, as opções, sobretudo epistemológicas, serão absolutamente decisivas e determinantes do direcionamento que será dado ao processo.
A figura de linguagem utilizada permite reconhecer que, muitas vezes, ao tecer teoricamente um trabalho, é fundamental a clareza de seu horizonte, de sua intencionalidade, definir e produzir alternativas que, por vezes, precisam ser construídas ou (re) construídas no processo, enfim, nortear nossos passos, ser fiel ao compromisso teórico assumido e à determinação para realizar a proposta.
Nesta perspectiva, colocou-se no horizonte deste módulo o paradigma da Complexidade de Morin (1998), conceituando-o a partir das combinações subjacentes ao pensamento científico em todos os setores, combinações estas entre ordem e desordem, acaso e necessidade, ou seja, o interessante é que essa combinação, essa dialógica, constitui a própria complexidade. Complexus = aquilo que é tecido junto (215).
Em outras palavras, a complexidade é o que decorre do paradigma-sistema, nomeado como complexo justamente por unir noções que se excluem no âmbito do princípio de simplificação/redução. Para isso, pressupõe o desafio de se trabalhar com a incerteza, incerteza essa incitadora do pensamento complexo, pois nunca haverá uma palavra- chave, uma fórmula que comande o universo.Complexidade é pensar o uno e o múltiplo, o certo e incerto, o lógico e contraditório, em resumo é a inclusão do observador na observação, que Morin (1998) assim descreveu:
(...) temos de reconhecer o campo real do conhecimento. Ele não é o objeto puro, mas o objeto visto, percebido e co-produzido por nós. O objeto do conhecimento não é o mundo, mas a comunidade nós-mundo, porque o nosso mundo faz parte da nossa visão do mundo, que faz parte do nosso mundo. Em outras palavras, o objeto do conhecimento é a fenomenologia e não a realidade ontológica. Essa fenomenologia é a nossa realidade de seres no mundo (p. 205).
Desse modo, a complexidade inscreve-se muito mais na ordem de desafio do que de resposta, ou seja, trabalhando com a incerteza, fazer e re-fazer o trabalho, quantas vezes for necessário, pois o objetivo do conhecimento não é descobrir o segredo do mundo, mas dialogar com o mistério do mundo.
Ao ser assim conceituado, torna-se evidente que não existe um paradigma de complexidade no mercado, pois esse busca tão somente incitar a estratégia/inteligência do sujeito considerar a complexidade da questão estudada. Incita,nas palavras de Morin (1998), a distinguir e fazer comunicar em vez de isolar e de separar, a reconhecer os traços singulares, originais, históricos do fenômeno em vez de ligá-los pura e simplesmente a determinações ou leis gerais, a conceber a unidade/multiplicidade de toda entidade em vez de a heterogeneizar em categorias separadas ou de a homogeneizar em indistinta totalidade. Incita a dar conta dos caracteres multidimensionais de toda realidade estudada (p. 334).
A referência ao caráter de multidimensionalidade da realidade remete à questão também eminentemente epistemológica da interdisciplinaridade, que se impôs no período histórico da chamada Pós-Modernidade, mas que Morin (1998), considera estar atualmente sendo superada pela noção da transdisciplinaridade, pois a ciência nunca teria sido ciência se não tivesse sido transdisciplinar (p. 136).
A partir desta noção, o autor nos remete ao percurso da história da ciência caracterizado por grandes unificações transdisciplinares sob a chancela de nomes como, por exemplo, Newton, Einstein, de filosofias subjacentes tais como o empirismo, positivismo ou até mesmo do que chamou de imperialismos teóricos (marxismo, freudismo). Muitas vezes, em nome de princípios transdisciplinares ocorreu o enclausuramento de disciplinas, por isso concordou-se que talvez mais importante do que o fazer transdisciplinar seja interrogar-se sobre que transdisciplinar é precisofazer? (Morin, 1998, p. 136).
Nesta perspectiva, na questão que transdisciplinar é preciso fazer? de imediato ressalta-se a incapacidade dessa questão ser respondida pelo paradigma no qual tem-se sustentado o nosso conhecimento científico, uma ciência que ao se basear na exclusão do sujeito, subtraiu também a condição de reflexão. A questão mais fundamental passa a ser então, o retorno dosujeito, que na verdade está na ordem do dia, pois em nossas observações, por mais objetivas que sejam, sempre entra um componente subjetivo.
Além do mais, neste pensar/repensar o saber, um saber que não mais se contém em pequena quantidade como em séculos passados, mas numa verdadeira proliferação e dispersão de conhecimentos, torna-se imprescindível recuperar a noção de Khun (1975) de que o desenvolvimento da ciência não se efetua por acumulação dos conhecimentos, mas por transformação dos princípios que os organizam.
A transformação dos princípios que levaram às visões fragmentadas e aos diversos tipos de dicotomia constituídos historicamente como: sujeito x objeto, teoria x prática, objetivo x subjetivo, ciências puras x ciências aplicadas levaram à ruptura desse modelo e em conseqüência às profundas alterações na produção do conhecimento, na aproximação dos mais amplos campos do conhecimento, avançando da interdisciplinaridade para a transdisciplinaridade.
Este módulo subscreve-se em uma outra ordem de atitude interdisciplinar, na via da possibilidade de ser exercida inclusive, ou até mesmo, no âmbito de uma única disciplina científica. Na medida em que um especialista se aprofunda em seu campo de conhecimento, tanto supera os mitos das visões fragmentadas e/ou dicotômicas mais radicais, quanto capta, percebe e compreende as relações também radicais entre diversas disciplinas (Pereira, 1998, pp. 331-332).
Este desiderato teórico permite entender a disciplina Teorias da Educação inscrita também na nova transdisciplinaridade, que permite a comunicação entre os vários domínios das ciências sem mutilá-los, ir do conhecimento físico ao social, ao psicológico e também antropológico. Todo conhecimento depende de nosso espírito e cérebro de homo sapiens, de enraizar o conhecimento numa cultura, sociedade, história e humanidade, de provocar a comunicação entre as ciências e só a ciência transdisciplinar é que poderá desenvolver-se a partir dessa comunicação, dado que um conhecimento remete ao outro. É a comunicação com base em um pensamento complexo, aquele que convida a pensar, não como a palavra-mestra que tudo vai explicar, mas a palavra que vai despertar e levar a tudo explorar, enfim, que vai da inter para a transdisciplinaridade.
Recuando um pouco vemos que aquilo que faz o homem progredir não está na afirmação, mas na abertura de visão, no território do olhar e principalmente na maiêutica que cultiva a arte socrática do questionamento.
Da Declaração de Veneza (1886), base da transdisciplinaridade: o estudo simultâneo da natureza e do imaginário, do universo e do homem, poderia assim nos aproximar mais do real e permitir que enfrentemos melhor os diferentes desafios de nossa época.

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